Veja como Lula passou o dia no julgamento do HC; teve até banda de rock no local
A situação de um ex- Presidente
O dia 4 de abril ganhou ares de
excepcionalidade depois que o Supremo Tribunal Federal (STF) determinou que
nesta data seria julgada a liberdade do ex-presidente Luiz Inácio Lula nos
próximos meses. Provocados pela defesa do petista, caberia aos 11 ministros
decidir se ele deveria começar a cumprir em breve a pena
de 12 anos e 1 mês estabelecida em segunda instância no
processo do tríplex do Guarujá (SP) ou se poderia esgotar recursos judiciários
longe da cadeia.
Em jogo, não estava apenas a
definição sobre se Lula passaria a dormir e acordar em uma cela de algum
presídio do país. Primeiro colocado nas pesquisas de intenção de voto para
eleição presidencial de 2018, Lula pretendia ser o principal cabo eleitoral de
si mesmo ou do candidato do PT ao pleito, correndo o Brasil para propagandear
sua agenda e tentar retomar controle do Palácio do Planalto em 2018.
A BBC Brasil conta como ele
passou por elas:
11h25 - Cercado por seguranças, Lula
chega ao Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo - de onde decidiu,
na última terça, acompanhar a sessão do Supremo Tribunal Federal. Sobe
discretamente para o segundo andar, sem cumprimentar a militância de cerca de
400 pessoas, que aguardava desde as 10h da manhã no salão principal da
entidade, bandeiras vermelhas em punho. O salão foi especialmente decorado com
fotos históricas de Lula para a ocasião. As janelas dos corredores do segundo
andar do sindicato, onde Lula vai assistir ao julgamento, foram forradas com tecidos,
para esconder os movimentos do petista. Durante a manhã, Lula recebeu antigos
líderes sindicais, como
Djalma Bom e Expedito Soares, que
entregam uma carta de apoio ao ex-presidente. Ele relembrou as greves que
participou durante a ditadura militar.
12h20 -
Enquanto Lula conversa a portas fechadas com Luiz Marinho, pré-candidato do PT
ao governo paulista, uma banda embala a militância: "Eeeee, ooo, vida de
gado, povo marcado, povo feliz." A ex-presidente Dilma Rousseff chega ao
sindicato acompanhada do ex-ministro Miguel Rossetto e se junta ao padrinho.
Lideranças do partido insistem no discurso
de que o PT não trabalharia com a hipótese de prisão de Lula. "Temos a
confiança de que o Supremo vai ser o guardião da Constituição", diz
Marinho, que saiu da sala para cumprimentar militantes no salão. "Eles
cometeram um erro em 2016 (quando autorizaram a prisão após segunda instância).
Agora é a chance de corrigir", diz, enquanto se prepara para tirar uma
foto com duas crianças.
13h -
Um almoço - arroz, feijão e bife - é servido ao ex-presidente Lula e sua
comitiva - Dilma, Marinho, os governadores Tião Viana e Wellington Dias, além
de Gabas e Miguel Rossetto. Parte dos militantes almoça no restaurante do
sindicato, no último andar, enquanto outra parte - composta, sobretudo, por
pequenos agricultores - entoa um batuque sentada no salão.
13h40 - Pouco antes da sessão começar
aliados do ex-presidente dizem que ele está tão tranquilo que encontra tempo
para comentar o gol de Cristiano Ronaldo no jogo da Liga dos Campeões, na noite
de terça. Sem revelar tensão com o julgamento, Lula teria demonstrado
preocupação apenas com o comentário do comandante do Exército, general Eduardo
Villas Bôas, que na noite de terça-feira postou mensagens em que dizia ser
contrário "à impunidade", em ato que foi interpretado por políticos e
analistas como um constrangimento ao STF.
14h07- O STF atrasa sete minutos o início da
sessão. A presidente Carmén Lúcia inicia o julgamento com um comentário de
menos de dois minutos e às 14h10, o relator Edson Facchin já falava.
Enquanto isso, o grupo de aliados e o próprio Lula ainda
almoçavam. O ex-prefeito Fernando Haddad e o governador de Minas Gerais
Fernando Pimentel tinham se juntado ao grupo um pouco antes. A mulher do
presidenciável do PSOL Guilherme Boulos, Natália, também veio acompanhar o
julgamento com Lula. Boulos, em viagem, não pode comparecer. Da família, está
presente o irmão Genival Inácio da Silva, o Vavá.
14h30 - A banda que toca músicas nordestinas
para de cantar para a transmissão do julgamento.
"Vai ser
uma injustiça", diz, pessimista. Militantes soltam o coro: "Lula
guerreiro, do povo brasileiro". "Assim não dá pra ouvir nada",
reclama um ex-metalúrgico que tentava acompanhar o que diziam os ministros.
"A Rosa
Weber vai votar a nosso favor", avaliava outro ex-operário, Francisco de
Assis do Santos, 69, filiado ao PT desde a fundação. "Se o habeas corpus
for negado a gente vai ficar meio desbaratado. Mas não vamos baixar a
cabeça".
15h13 - A lenta leitura dos votos pelos ministros
deixa a plateia mais entendiada do que apreensiva. Alguns bocejam. A única
reação na primeira hora do julgamento é um muxoxo desaprovador que percorre o
salão onde estão os militantes quando Gilmar Mendes critica o PT e o
ex-ministro José Dirceu, dizendo que o partido gestou a "violência que
está aí." Na última semana, ônibus da caravana do ex-presidente foi
atingido por tiros, no Paraná. "Golpista", grita um militante mais
exaltado na plateia, apenas para que o grupo volte a mergulhar num torpor na
sequência.
Nem mesmo Lula
se mantém vidrado na tela. "Ele está acompanhando alguns trechos mais
importantes. Afinal quem tem paciência?", comenta um aliado.
15h57 - Em questão de minutos Gilmar Mendes vai de
'golpista' a ovacionado, quando antecipa voto em favor do habeas corpus a Lula.
Os militantes pulam e a bateria começa a tocar. "Lula, presente, eterno
presidente" gritam os manifestantes, agitando bandeiras de diversos grupos
sociais - do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), do Levante Popular da
Juventude e do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST).
Quando o
julgamento entra em intervalo, o grupo abre uma roda no meio do salão para
declamar poesias. "Quando os opressores tiverem falado, hão de falar os
oprimidos", diz um, antes de o grupo começar uma encenação de um cabo de
guerra do "povo" contra o "poder do capital".
Na sala onde os
líderes petistas assistiam a votação, a posição de Gilmar Mendes contribuiu
para avaliação de que o julgamento estava indo bem.
"Lula continuou sereno. Ele disse: não vamos comemorar antes do
final. Vamos esperar o final", disse Luiz Marinho, ao circular pelo salão
minutos depois.
Lula desistiu
de assistir ao julgamento após voto de Barroso.
16h37 - O julgamento recomeça, com o voto do
ministro Alexandre de Moraes.
No primeiro
andar, filiados do PCO (Partido da Causa Operária) distribuem folhetos em que
se lê: "Sair às ruas contra a prisão de Lula".
O já esperado
voto de Alexandre de Moraes contra o habeas corpus termina sem nenhuma reação
dos militantes.
17h30 - Quando o ministro Luis Roberto Barroso
sinaliza que votará contra Lula, a maior parte da plateia de militantes está
conversando e prestando pouca atenção ao que se passa no Supremo.
Duas amigas
discutiam um término de namoro. "É uma pena, porque você é uma pessoa
legal, ele é uma pessoa legal. Pena que não deu certo."
Depois do voto
de Barroso, Lula desiste de assistir ao julgamento. Vai para uma sala onde não
há TV e conversa tranquilamente com Dilma, Haddad e outros amigos.
"Ele não parece estar muito interessado nos votos individuais. Quer
saber do resultado final", diz um interlocutor do presidente.
Os dois votos -
de Barroso e Alexandre de Moraes-, no entanto, não são surpresa para os
petistas . "Já esperávamos. Esses aí não estavam na conta", diz uma
liderança do partido.
A esperança
entre eles está no voto de Rosa Weber, cuja postura ainda era uma incógnita
nesse momento.
18h40 - Quando começa o voto de Rosa Weber -
decisivo - Lula segue sem mirar a TV. É o quinto voto - de onze - e o
ex-presidente está preparado para ficar até tarde no sindicato esperando o
final da votação.
No salão, o
voto da ministra não está sendo exibido. A militância é reunida no salão e
Wagner Santana, presidente do Sindicato dos Metalúrgicos, orienta para que
ninguém vá embora e garante que já estão providenciando o jantar para os
apoiadores.
"Ao final,
vamos precisar de todos vocês aqui. Quer o resultado seja bom ou ruim pra
gente", diz ele, antes de ligarem novamente o telão.
Ao longo do
julgamento, parte dos militantes foi embora
19h10 - Durante fala da ministra Rosa Weber, no
entanto, parte dos militantes já vai embora.
19h27 - O voto de Rosa Weber é contrário ao habeas
corpus de Lula. A militância ouve em silêncio. Há um clima de confusão. As
vaias só vem, esparsas, quando ela diz claramente que acompanha o voto do
relator, Fachin. O clima no salão é de desânimo, não de revolta. Mais
militantes vão embora.
Lula continua
conversando com amigos em uma salinha sem TV. É avisado por vários petistas -
que assistiam na sala ao lado - que o voto de Rosa Weber foi contrário a ele.
Diante do
cenário, chances do ex-presidente agora são mínimas: entre os ministros que
ainda devem votar, pelo menos dois - Luiz Fux e Carmén Lúcia - ja deram
indícios de que sua posição é a favor da prisão em segunda instância.
20h20 - Durante a fala do ministro Luiz Fux,
contrária ao habeas corpus, uma pizza e uma Coca-Cola são levadas pra o local
onde Lula está. O salão onde se concentrava a militância vai se esvaziando -
resta menos da metade das pessoas. Um pequeno grupo batucava e gritava alto
para atrapalhar os repórteres de TV que tentavam entrar ao vivo.
21h - Amigos próximos de Lula começam a ir embora
- entre eles o ex-presidente do PT Rui Falcão e o dirigente do Instituto Lula
Paulo Okamotto. Lula continua no sindicato, mas seus assessores anunciaram que
ele não iria se pronunciar - nem dar um oi à já escassa militância, nem falar
com jornalistas.
22h36 - Diante da derrota de sua posição favorável
ao habeas corpus do petista, o ministro Marco Aurélio, nono a votar no plenário
do STF, acusa a presidente da Corte, Carmén Lúcia, de ter manobrado a pauta na
semana passada, o que acabou resultando na negativa ao pedido de Lula.
Enquanto isso,
em São Bernardo do Campo, ninguém entra ou sai da sala onde está Lula. No salão
do sindicato, cerca de 50 militantes aguardam em silêncio o fim do julgamento.
23h30 - Faltando apenas dois votos para o fim do
julgamento, fogos comemorando a aparente derrota do HC de Lula são soltos em um
prédio de apartamentos próximo ao sindicato. Uma motociclista com capacete
passa na rua do sindicato gritando "Lula na cadeia".
Lula se dirige
à garagem e deixa o sindicato de carro, sem falar com ninguém. Um aliado
resumiu: "ele estava tranquilo. É obvio que no foro íntimo é possível que
ele tenha ficado abalado, mas não demonstrou".