Igreja Católica na PB é condenada a pagar indenização de R$ 12 milhões por exploração sexual
A Justiça do Trabalho condenou a Arquidiocese da Paraíba a pagar uma
indenização de R$ 12 milhões por casos de exploração sexual contra menores de
idade. O crime foi praticado por padres e até o arcebispo emérito do estado
estão envolvidos no escândalo.
O Fantástico ouviu um rapaz que foi assistente de missa e seminarista. Ele
preferiu não ser identificado. Repórter: Que idade você
tinha?
Ex-seminarista: Eu tinha 17 anos e meio ano.
Repórter: O que você encontrou no seminário era como você esperava?
Ex-seminarista: Não, né? A gente espera uma coisa e de repente se depara com outra, né? Às vezes de assédio relacionado a assédios sexuais por parte dos padres, por parte de muito dos seminaristas.
Repórter: De que tipo?
Ex-seminarista: Através de palavras, de atos, pegava nas minhas partes sexuais, né? Foi na Justiça Trabalhista que o processo avançou. “O ato é gravíssimo. São adolescentes que acreditaram naquela instituição a representação de Deus”, afirmou o procurador do Trabalho, Eduardo Varandas.
Ex-seminarista: Eu tinha 17 anos e meio ano.
Repórter: O que você encontrou no seminário era como você esperava?
Ex-seminarista: Não, né? A gente espera uma coisa e de repente se depara com outra, né? Às vezes de assédio relacionado a assédios sexuais por parte dos padres, por parte de muito dos seminaristas.
Repórter: De que tipo?
Ex-seminarista: Através de palavras, de atos, pegava nas minhas partes sexuais, né? Foi na Justiça Trabalhista que o processo avançou. “O ato é gravíssimo. São adolescentes que acreditaram naquela instituição a representação de Deus”, afirmou o procurador do Trabalho, Eduardo Varandas.
Tudo começou em 2014, a partir de uma carta. A autora
ouviu comentários de que algo errado estava acontecendo na Igreja Católica da
Paraíba e, a partir daí, fez uma denúncia por carta, para ficar dentro da
Igreja. Porém, isso acabou resultando na situação atual. Uma denúncia que era
só para a Igreja, que tomou uma dimensão imensa. Repórter: Por que a
senhora decidiu escrever a carta?
Testemunha: Porque eu fiquei incomodada diante de tantas coisas aí eu me incomodei muito por ser católica. Não aguentei mais diante de tanta coisa e eu terminei tendo essa vontade de fazer tudo isso.
Repórter: A senhora era amiga de jovens homossexuais frequentadores da igreja? Testemunha: Isso. A gente ia pra aniversário, a gente saía, ia na praia à noite. Nessas saídas nossa aí começou a surgir conversas que não tava me agradando.
Repórter: Tipo o quê?
Testemunha: Apelidos muito feios com padres da nossa igreja. Monja Vanessa. Louca da Diocese. Ligava pra pessoa e falava "oi, louca da Diocese"?
Repórter: Na verdade a senhora descobriu depois que quem tava do outro lado da linha eram padres?
Testemunha: Eram padres.
Testemunha: Porque eu fiquei incomodada diante de tantas coisas aí eu me incomodei muito por ser católica. Não aguentei mais diante de tanta coisa e eu terminei tendo essa vontade de fazer tudo isso.
Repórter: A senhora era amiga de jovens homossexuais frequentadores da igreja? Testemunha: Isso. A gente ia pra aniversário, a gente saía, ia na praia à noite. Nessas saídas nossa aí começou a surgir conversas que não tava me agradando.
Repórter: Tipo o quê?
Testemunha: Apelidos muito feios com padres da nossa igreja. Monja Vanessa. Louca da Diocese. Ligava pra pessoa e falava "oi, louca da Diocese"?
Repórter: Na verdade a senhora descobriu depois que quem tava do outro lado da linha eram padres?
Testemunha: Eram padres.
A mulher contou tudo para um padre de confiança. Ela explicou que ele
redigiu a carta e disse que o documento ficaria dentro da Igreja. Mas o texto
vazou e virou notícia. A partir daí, o Ministério Público do Trabalho começou a
investigar. “Na verdade, o que foi apurado, o que foi denunciado na imprensa,
apurado pelo Ministério Público do Trabalho, foi de que havia inserido dentro
da sistemática católica um grupo de sacerdotes de forma habitual que pagavam
por sexo a flanelinhas, a coroinhas e também a seminaristas”, explicou as
procuradoras Varandas. O crime foi definido como exploração sexual. No entanto,
ele ressaltou que, como o processo está em segredo de justiça, ele está
impedido de revelar alguns elementos concretos e o que ocorreu na instrução do
processo. Segundo Varadas, a característica da exploração sexual é a ausência
da vontade livre para praticar o ato. Nesse caso, o pagamento às vítimas podia
ser feito em dinheiro ou até em comida. “Algo que tenha submissão ou algo que
faça com que um estado de necessidade leve a criança ou adolescente a praticar
esses atos. Que estado de necessidade é esse? É a miséria, é a fome, é a
proteção do estado, é a ausência de políticas públicas. No caso de menores de
18 anos, independente da vontade deles, tanto o Estatuto da Criança do
Adolescente, como o Código Penal consideram a exploração sexual exatamente
porque eles não têm a vontade validada pelo direito pra praticar um ato dessa
natureza”, explicou o procurador. O ex-seminarista conta que cedeu às
investidas pela vontade de se tornar padre. “Porque até então a palavra de
ordem seria ‘passando por esse processo você vai conseguir chegar a ser padre’.
Meio que uma troca de, não sei se a palavra certa é troca de favores. Às vezes
uma conversa, um abraço no pé do ouvido, né? ‘Ele você tá muito cheiroso, vc tá
muito lindo, muito gostoso, né? Você deve malhar muito, não sei como você faz
isso, mas você tem um peitoral muito gostoso, né?’”, disse. A vítima afirmou
que havia relações sexuais e que se envolveu com três padres. Os nomes dos três
sacerdotes aparecem em vários depoimentos: Jaelson Alves de Andrade, Ednaldo
Araújo dos Santos e Severino Melo. Os padres estariam afastados de suas
funções. Nem o ex-seminarista, nem a autora da carta, que deu origem às
investigações, quiseram se identificar. E eles têm suas razões. “Eles diziam que ou
eu calava com isso ou a minha vida tava por um fio”, afirmou a mulher. “Eles
diziam que eu tivesse cuidado por onde andava, porque eu não sabia quem tava
atrás de mim, nem na minha frente, nem ao meu lado”, contou a vítima. Por pressão
psicológica, duas testemunhas importantes que tinham marcado entrevista com o
Fantástico desistiram de falar. Mas, à Justiça, elas falaram. Um deles é um
empresário, dono de um restaurante, até hoje muito católico. Ele frequentava a
igreja do padre Jaelson e depôs contra aquilo que ele achava que era um
desvirtuamento da Igreja Católica. “Antes dele, a gente tinha meninas e meninos
como coroinhas, mas depois que ele assumiu passou a só admitir coroinhas
homens. Um dia dois deles me procuraram. O primeiro falou comigo chorando,
contou que tinha decidido sair da igreja porque um dia tava na casa paroquial e
o padre Jaelson pediu que o menino passasse óleo nele durante o banho. O garoto
tinha entre 14 e 15 anos. O outro coroinha que veio falar comigo disse que teve
um relacionamento com o padre dos 14 até os 21 anos”, disse em depoimento. Outra
testemunha é um funcionário da Catedral, que trabalhou lá por mais de 30 anos e
conhecia como ninguém os bastidores do que acontecia lá dentro. “Passaram três
bispos e cinco padres no tempo que eu estive lá. Um desses padres, padre
Jaelson, levava coroinhas e outros meninos, todos menores de idade, para dormir
com ele nos quartos que ficam atrás da igreja. Os meninos iam embora de manhã
cedo. Ele pagava lanches para os meninos e também dava roupas para eles como um
agrado. Eu já cheguei a pegar padre Jaelson tendo relação sexual com menor de
idade dentro da igreja. Também trabalhei com o padre Ednaldo. Ele costumava
sair com os meninos que olhavam os carros na porta da Catedral. Costumava ir
com eles no Bar da Pólvora. Eram todos menores de idade e o padre dava dinheiro
pra eles”, afirmou em depoimento. Foi decisivo o depoimento de um desses
jovens, que quando era menor de idade trabalhava como flanelinha no entorno da
Catedral, e disse que, na época, teve relações com o padre Ednaldo. Ele contou
tudo, mas não pôde ver a conclusão do processo porque foi assassinado em
dezembro de 2016. A polícia chegou a investigar a possibilidade de queima de
arquivo, mas nada ficou comprovado. O ex-funcionário citou também um quarto
padre: Rui da Silva Braga. O padre Rui também levava meninos para a casa dele. Uma
particularidade do caso é que não só padres foram acusados de crimes sexuais.
Segundo o Ministério Público, havia o envolvimento direto do então arcebispo,
dom Aldo Pagotto. Ele é suspeito de acobertar os crimes dos sacerdotes e também
de ter tido relações sexuais com jovens da cidade.
Sem saber do envolvimento do
arcebispo, o empresário chegou a pedir que ele tomasse providências sobre o
problema.“Ele chegou a chorar e disse que ia
tentar resolver a situação. disse que ia procurar que padre Jaelson fizesse um
tratamento para parar com essas coisas. Isso foi em 2009 e nada foi feito.
Quero deixar bem claro que sou católico, continuo frequentando a igreja e não
tenho a intenção de prejudicar nenhum padre. Só quero que a verdade venha à
tona pela dignidade da igreja”, disse o empresário à Justiça.
Em 2002, quando era bispo de Sobral,
no Ceará, dom Aldo foi denunciado por supostamente tentar acobertar casos de
abuso sexual de um padre contra 21 meninas. Mas o Tribunal de Justiça cearense
arquivou o caso. Em 2004, ele se tornou arcebispo da Paraíba. Ficou na posição até 2016, quando renunciou ao cargo, em meio às
denúncias de escândalos sexuais envolvendo padres.
Na carta de renúncia, ele se referiu
a "egressos", ou seja padres e seminaristas afastados de outras
dioceses, e que ele acolheu: "Acolhi padres e seminaristas no intuito de
lhes oferecer novas chances na vida. Entre outros alguns egressos
posteriormente suspeitos de cometer graves defecções, contrárias à idoneidade
exigida no sagrado ministério".
Dom Aldo vive agora em Fortaleza.
Teve câncer de próstata. Na páscoa de 2018, divulgou um vídeo em que aparece
debilitado. O Fantástico ligou três vezes para o celular dele, e também para o
telefone fixo da casa onde vive. Não atendeu, nem respondeu às mensagens de
texto. Mandou um e-mail curto: "Não participo desse tipo de
reportagem. Esclareço que aos 8.11.2017 os padres suspeitos em envolvimento com
menores foram inocentados por unanimidade".
Mas os sacerdotes não foram
exatamente inocentados. A data citada por dom Aldo coincide com o arquivamento do caso na
Justiça comum. O Ministério Público Estadual considerou que
os crimes já tinham prescrito, ou seja, pela lei, eram antigos, e não podiam
mais ser julgados. O procurador estadual Francisco
Sagres Vieira afirmou que tinha convicção de que o crime aconteceu, de que “os
fatos se verificaram, tinha motivo suficiente para promoção da denúncia crime”.
Porém, estava de “mãos atadas porque havia prescrição”.
Mas na Justiça do Trabalho houve condenação,
por exploração sexual. Indenização de R$ 12 milhões, R$ 1 milhão para cada ano
de dom Aldo Pagotto à frente da Arquidiocese. O dinheiro deve ter uso social. “Esses R$ 12 milhões objeto a
condenação serão revertidos para o fundo da infância, da adolescência e
instituições congêneres que trabalham com crianças sexualmente exploradas e
atuam na recuperação psicóloga, na reinserção social”, explicou o procurador do
Trabalho Eduardo Varandas. A Diocese de João Pessoa foi
procurada, para que a entidade e os padres acusados pudessem se manifestar. Mas
ninguém quis dar entrevista. Em nota, a Igreja Católica da Paraíba afirmou
apenas que “não se manifestará sobre os fatos e aspectos relacionados ao
processo judicial em virtude da tramitação do caso em segredo de justiça". Todos os religiosos citados na ação
negaram à Justiça envolvimento com os jovens. A Igreja ainda pode recorrer da
sentença.
“Isso precisa ser passado a limpo
pela sociedade. A Igreja, a meu ver, deve essa explicação ao mundo. Agora,
independentemente do fator de quem causou isso ou aquilo a grande preocupação
do Ministério Público é evitar que danos como esse continue sendo uma rotina na
vida de crianças e adolescentes”, afirmou o procurador. O ex-seminarista, hoje com 27 anos,
se formou em administração e direito. Ele saiu do seminário por medo de se
tornar um padre abusador.
“Eu tinha muito medo de me tornar
aquilo que fizeram comigo”, disse.
Repórter: Vou te fazer uma
última pergunta: o que você gostaria que acontecesse com os padres e com o
bispo que abusaram de você?
Ex-seminarista: Olha, sinceramente, que a Igreja cuidasse deles, né? Que a Justiça realmente fosse feita, eu sei que eu sou mais um. Mas eu acredito que a Igreja deveria, como instituição, cuidar neurologicamente dos padres e construtivamente, a nível de sociedade, a Justiça fosse feita.
Ex-seminarista: Olha, sinceramente, que a Igreja cuidasse deles, né? Que a Justiça realmente fosse feita, eu sei que eu sou mais um. Mas eu acredito que a Igreja deveria, como instituição, cuidar neurologicamente dos padres e construtivamente, a nível de sociedade, a Justiça fosse feita.